Capítulo I

 Os esparsos raios solares entravam pela pequena janela, inundando o cômodo com sua luz alaranjada. A luminosidade atiçou os sentidos adormecidos do garoto logo abaixo, fazendo-o despertar. Um longo e alto bocejo escapou dele, enquanto ele se colocava sentado, se espreguiçando. Sua camiseta de manga longa era de um tom fraco de amarelo com uma listra vertical branca no centro, e aparentava estar um tanto gasta – especialmente a borda das mangas, chamuscadas. Marcas semelhantes eram encontradas na bermuda, que seguia o mesmo padrão de tonalidade da camiseta, apenas quebrada pelo desenho de uma chama na perna direita. Seu par de tênis amarronzado estava um tanto gasto, uma consequência de seu dono nunca ficar parado por muito tempo.

 Ao terminar de se espreguiçar, o Fennekin abriu os olhos, revelando íris de um intenso laranja, até mesmo um pouco avermelhado – mesma cor de várias mechas de seu cabelo loiro, completamente bagunçado. Ele moveu o rosto, estudando o lugar em que se encontrava, pois tinha se dado conta de que não o conhecia. Era um cômodo bem amplo, com diversas estantes cheias de livro do lado direito, bem próximas de onde estava. Havia também alguns computadores alguns metros a frente, dando aparência ao lugar de um grande escritório.

 -Hey, pessoal! - falou, agitando de leve o casal que estava ao seu lado, ainda adormecidos – Acordem! Temos um lugar novo para explorar!

 A Froakie foi a primeira a despertar. Ela tinha cabelos azul-claros, com as pontas esbranquiçadas. Usava uma blusa de um tom um pouco mais forte, que se repetia em sua saia, e um par de botas azul-marinho. Um pequeno desenho de uma gota verde-água era encontrado na manga de sua blusa, cujas bordas também terminavam alvas. Do outro lado daquele que já estava sentado, o Chespin se limitou a se remexer, emitindo um murmúrio que poderia ser entendido como “mais cinco minutos”. Sua roupa seguia o estilo simples dos companheiros, e a tonalidade variava de verde a marrom. O capuz com espinhos tampava seus cabelos castanhos, e até mesmo parte de seu rosto escondia. A imagem de uma folha estava estampada no lado esquerdo de seu casaco.

 -Vamos, James, larga de ser medroso! - provocou o garoto de cabelos alaranjados – Juro que estamos a salvo!

 -Deixa ele, Draco. - interviu a garota, deixando um discreto bocejo escapar antes de prosseguir – Daqui a pouco ele levanta. Enquanto isso... - ela deu um sorriso, e então deu um leve empurrão nele, saindo correndo em seguida – Tá com você!

 Pego de surpresa, ele ainda ficou alguns segundos estático, mas então abriu um sorriso e se levantou, correndo atrás dela. O que tinha ficado para trás apenas observou-os se afastando, mas, poucos segundos depois, acabou por decidir que seria melhor ficar próximo aos amigos. Levantou-se, seguindo na direção dos livros.

 Draco já tinha passado da primeira fileira onde entrara, e seguira para outra ao lado quando viu, de relance, um vulto azul passando por ela. Detestava como aquela Froakie era tão rápida e boa em se ocultar, mas ao mesmo tempo adorava essas habilidades. Afinal, aumentavam o desafio de encontrá-la, e adorava um bom desafio. E tão concentrado estava em achá-la que nem percebeu que a garota o observava, deitada de maneira despretensiosa algumas prateleiras acima. Ele passou direto por onde ela estava, e a garota não pode evitar uma risadinha silenciosa.

 Não tanto depois, James chegou ao mesmo local, e sua mania de olhar para cada canto antes de prosseguir o fez achá-la facilmente. Ainda ia falar alguma coisa, mas um empurrão forte o bastante para derrubá-lo o interrompeu. O amigo tinha voltado àquela passagem – visto que já correra por entre todas as estantes –, e não hesitou em passar a vez para ele.

 -Tá com você! - exclamou, saindo do local sem nem terminar de falar

 Kih deixou um suspiro de leve escapar, e então pulou para o chão. O garoto ainda estava tão desnorteado que nem levantara.

 -É normal ter medo de um amigo? - indagou, com sua típica voz baixa, quase inaudível

 -Se for um tão desajuizado quanto aquele Fennekin, acho que sim. - riu ela, estendendo a mão para ajudá-lo

 -Anh, Kih... - começou ele, meio sem jeito, pois não achava educado recusar ajuda, mas tampouco queria “pegá-la” – Se me der a mão, eu vou passar pra você...

 -Tudo bem. - sorriu, de maneira doce, mas logo mudou para uma homicida – Até porque, posso vingá-lo.

 O Chespin não conseguiu segurar uma risada, e então segurou na mão estendida, erguendo-se em poucos segundos. A garota lhe sorriu por um instante mais, em seguida desaparecendo da sua frente.

 A tarde praticamente toda tinha escorrido antes que fossem vistos – e tomassem uma bronca por não estarem quietos no lugar onde foram deixados. Poderiam ate ter reclamado, mas já eram gratos pelo supervisor não ter notado que alguns livros tinham ficado com certas “evidências” da passagem do trio. Afinal, quando Draco se exaltava demais – o que não era algo difícil de acontecer, vale constar –, seu poder se manifestava, e sem seu controle. Sorte que a amiga controlava o elemento contrário, então sempre podia anular os estragos antes que eles fossem estragos verdadeiramente preocupantes.

 -Você tem que aprender a se controlar melhor. - comentou ela, fitando o garoto, deitado tranquilamente, com as mãos atrás da cabeça e mirando o teto – O que vai fazer quando não tiver ninguém para apagar seus incêndios?

 O Fennekin deu de ombros, com seu típico sorriso despreocupado. Realmente não achava que causaria problemas, e nem se preocupava em pensar sobre isso. O controle das chamas era algo inato a ele, nascera com esse dom, então claro que aprenderia a lidar com ele.

 -Aliás, esse dia está perto, não? - murmurou James, um tanto cabisbaixo – Ouvi aquele rapaz dizendo que os treinadores chegam amanhã...

 -Que ótimo! - exclamou Draco, erguendo-se – Eu mal posso esperar para começar a minha guilda!

 -E eu mal posso esperar para deixar um piromaníaco a solta por aí... - provocou a Froakie, rindo

 Ela poderia continuar a zombá-lo por um bom tempo, mas percebeu a expressão desanimada do outro companheiro. Sabia que ele era alguém muito inseguro, e provavelmente a ideia de ser líder de uma guilda o apavorava. Abrindo um sorriso meigo, pegou na mão do Chespin, chamando sua atenção.

 -Fique tranquilo, James. Sei que vai se sair muito bem em sua jornada.

 O garoto, meramente corado, lhe deu um tímido sorriso em resposta.

 -Acha mesmo? - indagou

 -Claro que sim! - confirmou Draco, entrando na conversa – Todos vamos! Mas a minha ainda vai ser a melhor.

 -Veremos, sua raposa convencida. - replicou Kih, mostrando a língua para ele

 E, ao som de vozes animadas e risadas, a luz alaranjada foi sendo substituída pelo sutil prateado conforme a lua e seu manto azulado se erguiam. Não demorou tanto mais para que o trio se aquietasse, e pouco antes do relógio marcar nove horas eles já estavam dormindo – ao menos, a maioria. O inicial de fogo permanecia acordado, observando o céu noturno. Ele adorava observar a lua. Não sabia bem porque, mas sentia como se ela tivesse uma energia mística que o fortalecia. Pela lógica, deveria sentir isso com o sol, mas nada chegava perto daquela magia lunar.

 Enquanto fitava a luz noturna, por um momento, seu olhar se desviou para a janela, a única barreira entre ele e um passeio ao ar livre. Estava louco para conhecer mais do mundo lá fora, esse era inclusive um dos motivos pelos quais estava ansioso pela sua jornada. Queria explorar os lugares, fazer novos amigos e novos rivais, se aventurar! Ainda pensando sobre isso – e maldizendo mentalmente aquele vidro que o separava de ao menos experimentar aquela sensação –, percebeu algo ao olhar com mais atenção. O trinco não estava fechado.

 Com um imenso sorriso, o garoto levantou-se de maneira silenciosa, e aproveitou-se da escrivaninha para alcançar a janela. Parou por um instante ao alcançá-la, empurrando o vidro e apreciando o vento frio que percorria o local. Cheiro de liberdade, era isso que ele carregava! Então, sem esperar muito mais, pulou para fora.

 Machucou-se um pouco por não estar preparado para o salto, mas o que importava? Estava livre! Começou a andar calmamente, explorando as ruas, passeando pela singela praça. Era uma cidade pequena, modesta, mas não deixava de ter seu charme. Parou à beira do rio, sentado na grama, observando o luar. Ah, o querido luar, que lhe dera aquela adorável oportunidade!

 -Fico te devendo uma. - pensou alto, sorrindo

 Apesar de não ter tanto lugar para explorar, a aventura de sair valia por si só. Se bem que..., pensou, enquanto seu olhar vagueava até a ponte logo ao lado. A passagem da cidade para a primeira rota, para o início da aventura de verdade. Só uma olhada não deve fazer mal, certo?, completou mentalmente, dando de ombros e se erguendo. Cruzou o chão de tijolos de cor creme, sorrindo ao se dar conta de que seria o primeiro de seus amigos a pisar na rota. Logo estava com os pés na grama, pronto para correr por ela se não fosse barrado por um som.

 -Hey, garoto. Está perdido?

 Moveu o olhar na direção da voz, se encontrando com um garoto magrelo sentado em um galho de árvore. Ele não demorou a descer – e pousou graciosamente, bem diferente do que fizera algum tempo atrás. Ele tinha o cabelo vermelho e liso bem arrumado, preso em um curto rabo de cavalo, e usava óculos. Vestia uma camisa dividida em cinza e vermelho, e sua calça seguia a primeira cor. Tão bem arrumado como estava, dava a impressão de ser um daqueles “certinhos”. E não gostava muito desse tipo.

 -O que foi? - zombou a raposa – Medo de que eu te desafie e manche sua roupa?

 Ele revirou os olhos antes de responder.

 -Só estava me perguntando o que um inicial faz desacompanhado andando por aqui a essa hora, mas já percebi que você não é dos mais inteligentes.

 -Hey, não ouse falar assim de Draco Scarlet! - suas mãos já estavam em chamas – Amanhã eu começarei a minha jornada e formarei a guilda mais poderosa de todas!

 -Boa sorte sendo tão explosivo. - desdenhou  o Fletchling

 -Por que criticam tanto isso? - questionou, sinceramente confuso – Sou um pokémon de fogo, oras! Quanto mais forte a explosão, mais forte eu serei!

 -Poder não se resume em força. - argumentou o ruivo – Também conta estratégia e organização.

 As chamas até se apagaram. Já tinha ouvido um sermão parecido, mais de uma vez. Seus amigos sempre lhe diziam isso. E, ouvindo de novo, e de um completo estranho, não pode evitar ponderar sobre a questão. Afinal, por mais despreocupado que fosse, era seu sonho, e não queria ser desleixado com ele.

 E, pensando nisso, uma ideia lhe ocorreu. Com um discreto sorriso, colocou as mãos no bolso, tentando dar uma aparência despretensiosa.

 -Bem, não posso negar que você tem razão. E você parece um cara que valoriza muito a organização e tudo mais...

 Ele percebeu o intuito da fala antes mesmo que completasse.

 -Está me chamando para sua futura guilda? - ao que o Fennekin assentiu animadamente, ele deixou uma risada escapar – Nem pensar.

 -Ah, qual é!? - protestou Draco – Você mesmo falou que poder é força e estratégia. E, sem querer ofender, você não é exatamente o cara mais amedrontador do mundo.

 A expressão dele lhe disse de maneira nítida que tinha tocado em um ponto fraco. De fato, o Flecthling era um tanto orgulhoso, e não gostava de ser lembrado que não era um dos pokémons mais fortes dos arredores.

 -Posso me tornar. - rebateu, entredentes

 -Eu sei. - concordou o Fennekin – E posso te ajudar com isso, assim como você pode me ajudar com a parte estratégica. Uma dupla perfeita! - estendeu a mão antes de prosseguir – Então, topa?

 Ele não conseguiu conter um sorriso.

 -Olha, você fez um esforço tão grande para formular um argumento considerável que vou até considerar a proposta. - pode perceber que o garoto estava a ponto de se inflamar de novo, então completou – Okay, eu aceito. - finalmente o cumprimentou – Aliás, meu nome é Felipe.

 -Prazer em conhecê-lo, parceiro. - sorriu

 -Então, primeira dica estratégica: Volta logo para onde você está abrigado. Uma boa noite de sono é necessária para qualquer guerreiro.

 -Poxa, já começou o sermão? - resmungou Draco

 -Você quem pediu. - replicou ele, com uma suprimida risada

 -Pior que é verdade... - suspirou – Bem, então acho q... - ele parou no meio da frase, se dando conta de algo – Vish... Não vai dar não...

 -Por quê?

 -Eu escapei pela janela. - explanou Draco – Tinha como alcançá-la por dentro, mas não por fora. Não pensei nisso quando saí.

 -Incrível como você fala isso nesse tom tão despreocupado... - comentou o ruivo

 -Ah, foi divertido. E já consegui um integrante para minha equipe, então valeu a pena. - ele abriu um imenso sorriso, e houve uma breve pausa – Então... Posso ficar por aqui.

 -Eu recomendaria voltar para a cidade. Você é um estranho nessa rota, pode acabar arrumando encrenca. Sem falar que... - ele hesitou em continuar

 -Começou, agora completa. - intimou o Fennekin

 -Há rumores de ladrões percorrendo as rotas. - contou – São rumores fracos, talvez eles ainda estejam longe, mas eu não arriscaria sendo um inicial. Afinal, você é um pokémon mais raro de encontrar do que a maioria. A cidade é mais segura.

 -Tenho que te dar a razão. - admitiu – Bem, vou indo então. Até mais, Lipe.

 O Fletchling se despediu, observando-o enquanto ele se afastava. Talvez, tivesse feito uma escolha errada. Talvez, aquele garoto significaria apenas encrenca. Ou, talvez, finalmente sairia de sua vida monótona e teria ação de verdade. Talvez, aquela fosse sua chance. Sem que percebesse, um sorriso lhe escapara, pensando que uma aventura não seria de todo o mal.

 [Human PoV]

 O sutil barulho de passos ecoava pelas ruas quase desertas da pequena cidade. Aquacorde ainda começava a despertar, mesmo seu comércio ainda estava abrindo. Um dos donos de loja deu um aceno para a garota que passava, que lhe sorriu em resposta. Ela morava ali há algum tempo, quase o mesmo em que decidira se tornar uma treinadora. Quando soubera que um assistente do Professor da região traria iniciais para dois amigos seus da vila ao lado, sentiu-se impelida a pedir que trouxesse um inicial para ela também.

 Curioso era que nenhum dos três decidira qual inicial escolher. Então, entraram em um acordo de que deixariam o destino escolher. Quem chegasse primeiro pegaria aquele que mais lhe encantasse, e o último teria que ficar com o que restasse. Não era injusto, afinal, nenhum deles tinha uma preferência.

 Ainda pensava sobre isso ao chegar ao local marcado. A casa mais afastada, em frente ao grupo de mesas, era o que disseram. Caminhava em direção à porta, mas seu rosto por um momento se virou na direção do rio, e da ponte sobre ele, e da rota além dele. Deixou um suspiro escapar pensando que logo estaria caminhando por lá, e então baixou o olhar.

 E foi graças a isso que viu. Uma mancha amarelada logo abaixo de uma das mesas, a mais distante dela. Instigada, a garota caminhou até o local, se ajoelhando para observar melhor. A “mancha” era uma pequena raposa, dormindo de maneira tranquila enrolada em si mesma. Seu corpo era praticamente todo daquele tom claro de amarelo, à exceção do branco de suas bochechas e o laranja dos tufos em suas orelhas e na ponta da cauda. Com cuidado, tocou de leve no pokémon, querendo acordá-lo sem assustá-lo. Ele despertou num pulo, logo voltando seus olhos alaranjados em sua direção.

 -Olá, pequeno. - sorriu, acariciando sua cabeça – Está perdido?

 Ele fez um movimento como que assentindo. Ela não pode evitar aumentar o sorriso, achando graça daquilo. Como ele escapara de uma casa fechada? Percebeu que não conseguiria a resposta permanecendo ali, então pegou-o no colo e se levantou, voltando a seu caminho original. Não demorou muito a ser atendida depois de bater na porta, e a expressão do assistente responsável pelo local misturava surpresa e alívio ao ver o que ela carregava.

 -Por Arceus, onde você encontrou essa raposinha encrenqueira? - perguntou ele, exasperado

 -Você já tem essa fama, então? - indagou a garota com um sorriso, fitando o pokémon em seus braços

 Poderia jurar que o vira assentindo, e com orgulho.

 -Sim, desde ontem causando confusão. - contou o rapaz

 -Espero que não traga muito problema para quem escolhê-lo... - comentou uma conhecida voz

 -Shaunee! - exclamou, cumprimentando a amiga – Já escolheu o seu?

 -Com certeza. - afirmou ela, mostrando um ouriço verde e castanho que estava em seu colo – Esse inicial é tão gracinha! Será com ele que construirei minhas memórias.

 A garota moveu o olhar para a raposa em seus braços, vendo como parecia tão certo que ela estivesse ali, ao seu lado. Com um singelo sorriso, percebeu que ela também já sabia com quem construiria uma jornada.